Superior Tribunal de Justiça Desportiva
Confederação
Brasileira de Atletismo - CBAt |
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Processo nº
09/2003
Denunciado(a): Maurren Higa Maggi
Autor(a ) : Procuradoria da Justiça Desportiva
- CBAt
Auditor-Relator : Pedro Augusto Oliveira da Silva
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INFRAÇÃO
POR DOPAGEM (Clostebol) |
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DECISÃO |
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Visto , etc ., |
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Por unanimidade
acordam os auditores do Superior Tribunal de Justiça
Desportiva, pela improcedência da denúncia
e absolvição da denunciada, nos termos do
voto do relator, que fica fazendo parte integrante desta
decisão. |
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Sala de Sessões
do STJD -CBAT
Manaus , 19 de janeiro
de 2004
Auditor ALBERTO PUGA BARBOSA
Presidente
Auditor PEDRO AUGUSTO OLIVEIRA DA SILVA
Relator
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RELATÓRIO |
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Trata-se de
denúncia formulada pela PROCURADORIA DA JUSTIÇA
DESPORTIVA, na pessoa do Dr. Mauro Queiroz, contra a
atleta MAURREN HIGA MAGGI que, submetida a um controle
antidoping fora de competição pelo Comitê
Olímpico Brasileiro, visando sua participação
nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, acusou resultado
positivo para a substância proibida “Clostebol”.
Tal exame foi realizado em 14 de junho de 2003, durante
a realização da competição
nacional “Troféu Brasil de Atletismo”,
na cidade de São Paulo/SP, após ter vencido
a prova de salto em distância, sua especialidade.
A contra-prova também deu resultado positivo
para a referida substância proibida.
Em sua defesa preliminar a IAAF, a atleta justificou
ter se submetido a um procedimento cirúrgico
em 13 de junho de 2003, na clínica Lígia
Kogos de Dermatologia, em São Paulo/SP, intitulado
de depilação a laser (ligthsheer) onde
o tratamento pós-cirúrgico consiste na
aplicação de creme (veículo refrescante)
denominado NOVADERM (vendido no Brasil somente em creme),
cuja composição contém Neomicina
(antibiótico para que não haja infecção
secundária na área) e Clostebol (cicatrizante
que acelera a regeneração da região
queimada pelo laser).
Que a Dra. Ligia Kogos admite expressamente que aplicou
o creme sem o consentimento da atleta e sem outras explicações,
por entender não ser necessário, vez que
a substância CLOSTEBOL é classificado como
cicatrizante e não anabolizante.
Que a atleta não se houve com intenção
nem mesmo negligência que caracterizasse o caso
como uma infração por dopagem, mas classifica
o ato como contaminação por fato exclusivo
de terceiro a ser mitigado frente ao princípio
da responsabilidade objetiva (strict liability), senão
reconhecendo as circunstâncias excepcionais para
a espécie, razões essas contidas, inclusive,
em sua defesa escrita para este Tribunal.
A Procuradoria da Justiça Desportiva enfatizou
sua denúncia, em brilhante arrazoado, invocando
o princípio internacional da responsabilidade
objetiva, no sentido de ver a atleta punida nos termos
da regra do atletismo.
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FUNDAMENTAÇÃO: |
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Aprecia-se
a conduta da atleta MAURREN HIGA MAGGI relativamente
à sua responsabilidade no uso e/ou consentimento
ao uso de substância proibida denominada CLOSTEBOL
(agente anabólico do tipo esteróide anabólico
androgênico, previsto na 1ª parte da Relação
1 do Guia de Procedimentos para Controle de Dopagem,
edição 2002, aprovado pelo Conselho da
IAAF), constatado mediante análise de sua urina
em exame antidoping fora de competição,
realizado no dia 14 de junho de 2003 no Troféu
Brasil de Atletismo.
O resultado das análises das amostras “A”
e “B” não deixam dúvida quanto
à existência da substância Clostebol
nos fluidos corpóreos da atleta, sendo a mesma
responsável por isso, vide Regra 55, item 4,
das Regras Oficiais do Atletismo 2003, 2ª edição
revisada, Phorte Editora, aprovado pela CBAT e recomendado
pela IAAF, estando sujeita às infrações
e penas previstas nas Regras 55, item 2, subitem (i),
e 60, item 1, subitem (i), item 2, letra (a), subitem
(i), de dois anos, no mínimo, a partir da data
da audiência em que foi decidido que o delito
de dopagem foi cometido, salvo se já estiver
cumprindo um período de suspensão prévia,
caso em que deve ser subtraído do período
de inelegibilidade o período já cumprido
desta suspensão prévia.
As regras do desporto, tanto quanto as regras de conduta
social, têm caráter objetivo e cogente,
quer dizer, constatado o delito a pena é aplicada,
mormente as regras do atletismo que se fundam no preceito
denominado no vernáculo inglês de “strict
liability”, ou no nosso vernáculo “responsabilidade
objetiva”, que consiste em ser o atleta o único
e exclusivo responsável em não deixar
que nenhuma substância proibida apareça
nos tecidos e fluidos de seu corpo. Desta forma, o ônus
da prova transfere-se para o atleta, que tem o objetivo
de provar que não houve doping em seu caso.
Todavia, entendo com a devida permissão dos
que pensam contra, que esta regra não é
absoluta, posto que o conceito hodierno de dopagem permite
que o atleta apresente contra-evidências para
que afastem a presunção de negligência
imposta pela regra internacional de combate a dopagem,
no caso, a Regra 55, item 2, subitem (i) da IAAF.
Neste aspecto é meu entendimento que, as provas
colhidas aos autos demonstram que a ora indiciada provou
satisfatoriamente a inocorrência de negligência
de sua parte, tendo sido o resultado positivo apresentado
no exame ocorrido em decorrência de contaminação,
ocorrida em procedimento cirúrgico na qual participou,
no dia 13 de junho de 2003 na clínica Lígia
Kogos de Dermatologia, em São Paulo/SP.
Constam nos autos documentos e depoimentos irrefutáveis
de que o procedimento cirúrgico a que se submeteu
a atleta, a despeito de qualquer vaidade feminina, é
considerado microcirurgico, cujo tratamento utilizado
no pós-operatório pela médica que
o realizou foi o uso de creme como o denominado NOVADERM
(que no Brasil só é comercializado como
creme, e adquirida sem a necessidade de receita médica),
contendo em sua composição a substância
Clostebol. Frise-se que a médica dermatologista
responsável pelo tratamento, Dra. Lígia
Kogos, foi muito enfática no sentido de assumir
total responsabilidade pela prescrição
do produto sem qualquer consentimento da atleta.
A manifestação do Prof. De Rose, em carta
anexada aos autos, ao Dr. Gabriel Dolle datada de 10
de julho de 2003, comprova a assertiva, e mais, demonstra
cabalmente que a atleta havia feito um procedimento
cirúrgico para remoção de pêlos
com laser, vulgarmente chamada de “depilação
a laser”, conforme diz o Prof. De Rose: |
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“Pelo fato
de esta substância somente ser vendida no Brasil
em pomadas dermatológicas e ginecológicas,
eu contatei a atleta para encontrar qual seria a possível
fonte da contaminação. Sem mencionar o
nome comercial do produto, eu perguntei à atleta
se ela tinha usado qualquer pomada recentemente e ela
me disse que não usou nenhum medicamento, mas
lembrava ter ido à dermatologista para fazer
depilação permanente com laser e a médica
usou dois cremes tópicos na sua região
inguinal.” (sic) |
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O Prof. De Rose
ainda esclarece em sua carta ao Dr. Dolle: |
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“A atleta não
foi informada nem consultada pela dermatologista sobre
os tipos de produtos que ela estava utilizando e mesmo
se isso tivesse ocorrido, ela nunca imaginaria que seu
exame daria positivo devido a um processo de depilação.”
(sic) |
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O Dr. David L.
Black, Ph.D., expert trazido aos autos pela defesa, em
seu parecer às fls. 102 discorre: |
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“A análise
do Novaderm Crème, realizada pela Aegis, com a
finalidade de confirmar a presença e quantidade
de Clostebol, revelou uma concentração de
7,3 mg/grama (+/- 1,0 mg/grama) de Clostebol. Isto indicou
que a concentração no Novaderm Crème
é, aproximadamente, 46% maior do que a indicada
na Folha de Informação Farmacêutica
da Novaderm, o que aumenta, consideravelmente, a dose
administrada a Maurren Maggi pela Dra. Kogos.” |
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No presente caso,
ainda, embora agindo e dentro de sua responsabilidade
médica, a Dra. Ligia Kogos não levou em
consideração o fato de que estava lidando
com uma atleta, assumindo, ela, a médica, o risco
pela aplicação de substância sem que
houvesse consulta a Atleta, mesmo a referida médica
sabendo da condição de atleta profissional
da indiciada, conforme se depreende da declaração
da médica juntada aos autos às fls. 202
a 205.
A este respeito, valendo-se ainda do parecer
do Dr. David L. Black, que, ao analisar o caso, teceu
os seguintes comentários:
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“Com base no
exame do Laboratório de Doping, a evidência
científica indica a presença de Metabólitos
de Clostebol na urina identificada como 370349. Os dados
da análise da Amostra A e Amostra B são
coerentes e estão em concordância. A declaração
da Dra. Kogos confirma a administração de
Novaderm Crème contendo um esteróide proibido
identificado como Clostebol. A declaração
da Dra. Kogos revela total ausência de conhecimento
da responsabilidade médica, quando se trabalha
com atletas de elite, em entender completamente, e informar
ao atleta, os agentes farmacêuticos que podem ser
administrados.
A declaração
da Dra. Kogos revela uma completa falta de conhecimento
sobre “responsabilidade estrita” conforme
prevista pela WADA – World Anti-Doping Agency
[Agência Mundial de Anti-Doping].
A análise da Aegis documenta que o produto Novaderm
Crème foi formulado de maneira incorreta, contendo
uma dose bastante superior àquela indicada pela
Folha de Informação Farmacêutica
da Novaderm. Sabe-se muito bem que os esteróides
são absorvidos pela pele, e seriam, em particular,
absorvidos após o procedimento médico
realizado pela Dra. Kogos. A combinação
do procedimento e aplicação do creme pela
Dra. Kogos, e a incorreta formulação do
creme, por parte do fabricante, contribuiria, facilmente,
para um teste de urina positivo para o Clostebol.” |
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Estudo científico
realizado pelo laboratório credenciado pelo COI/WADA
LADETEC, do Rio de Janeiro, Brasil, apresentado pela defesa
às fls. 210, confirma ainda a possibilidade de
contaminação por Clostebol através
de utilização de pomadas contendo o produto.
Destarte, deve a Federação Nacional provar,
sem qualquer dúvida, que a infração
de dopagem foi cometida (Regra 59, item 6, da Regra
do Atletismo), sendo certo que o exame laboratorial
foi positivo para a presença do Clostebol nos
fluidos corpóreos da atleta, mas essa prova,
entendo, não deve ser meramente documental (material),
mas de cunho também volitivo (subjetivo), isto
é, tenha decorrido sem que dúvida alguma
razoável impeça de ratificar a presunção
de negligência do atleta inserida no contexto
da Responsabilidade Objetiva:
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“o fato material,
consubstanciado no verbo ou núcleo do tipo, consiste
em dopar. Como não há descrição
de qualquer conduta especial na dopagem, pode-se dizer
que a infração é de forma livre.
Desde que a ação do sujeito ativo constitua
causa típica do evento dopagem existe fato punível’ (in Luiz Carlos Rocha, “Doping na Legislação
Penal e Desportiva – Aspectos Penais, pág.
134). |
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Ainda que tal
afastamento desta responsabilidade possa caracterizar
um caso de negligência, tem-se como correto que,
tendo sido a substância aplicada por um médico
em um procedimento apropriado, mas que, porém,
não fora informado ao atleta, cercou-se esta Atleta,
ora Indiciada, das cautelas necessárias à
preservação de sua integridade perante as
normas antidopagem, uma vez que informou à médica
de sua condição como atleta, de acordo com
todas as provas juntadas aos autos.
Assim afirmo ao
perquirir o por quê da possibilidade do reconhecimento
de possíveis circunstâncias excepcionais
pelo Conselho da IAAF, que a própria regra do
atletismo prevê na Regra 60, item 9. É
porque há a possibilidade do resultado positivo
não ter sido causado somente pela conduta dolosa
ou culposa do atleta, e sim por condições
totalmente alheias à sua vontade, da qual a mesma
não tenha tido qualquer conhecimento ou gerenciamento
sobre aquele fato.
In casu, a Indiciada provou satisfatoriamente que tal
substância ingressou em seu corpo por meio de
ato ou fato exclusivo de terceiros (médica atuando
em procedimento cirúrgico) sem que houvesse qualquer
gerenciamento ou conhecimento de sua parte, o que caracteriza
a chamada “contaminação”,
preenchendo assim o seu ônus da prova que decorreria
de tal responsabilidade objetiva e o afasta, determinando
novamente que o País Membro, no caso a Procuradoria
de Justiça Desportiva junto a este superior Tribunal,
prove que a ofensa de doping foi cometida sem
sombra de dúvida razoável, conforme
preconiza a Regra 59.6 da IAAF, o que, nos autos em
questão, não logrou êxito a Procuradoria
em seu mister.
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DECISÃO: |
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Por tudo o que
consta dos autos, adicionado das provas técnicas
e testemunhais apresentadas, ei de votar pela ABSOLVIÇÃO
da atleta MAURREN HIGA MAGGI da imputação
de dopagem pretendida na denúncia do nobre Procurador
da Justiça Desportiva, porque sob influência
de erro essencial (provocado exclusivamente por terceiro),
sem que houvesse a possibilidade de evitá-lo. |
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Sala de Sessões
do STJD -CBAT
Manaus , 19 de janeiro
de 2004
Auditor Pedro Augusto Oliveira
da Silva.
Relator |
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